No dia 2 de janeiro, entrou em vigor no país o Estatuto da Pessoa com Deficiência, com novas regras e orientações para promover os direitos e liberdades dos deficientes. A chamada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência garante condições de acesso a educação e saúde e estabelece punições para atitudes discriminatórias contra essa parcela da população. De acordo com o Governo Federal, atualmente existem cerca de 45 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência.
A Lei, sancionada em julho passado pela presidente Dilma Rousseff, proíbe a cobrança de taxas extras em matrículas e mensalidades de instituições de ensino privadas. A nova Lei ainda prevê que quem impedir ou dificultar o ingresso da pessoa com deficiência em planos privados de saúde estará sujeito a pena de dois a cinco anos de detenção, além de multa. A mesma punição se aplica a quem negar emprego, recusar assistência médico-hospitalar ou outros direitos a alguém em razão de sua deficiência. Outra novidade da Lei é a possibilidade de o trabalhador com deficiência recorrer ao FGTS quando receber prescrição de órtese ou prótese para promover sua acessibilidade.
Conforme o novo Estatuto, as empresas de serviço de táxi deverão reservar 10% das vagas para condutores com deficiência. Legislações anteriores já previam a reserva de 2% das vagas dos estacionamentos públicos para pessoas com deficiência, mas a nova Lei garante que haja no mínimo uma vaga em estacionamentos menores. Os locais devem estar devidamente sinalizados e os veículos deverão conter a credencial de beneficiário. A legislação exige também que 10% dos dormitórios de hotéis e pousadas sejam acessíveis e que ao menos uma unidade acessível seja garantida.
De acordo com a advogada Cláudia Grabois, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do IBDFAM, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) ou Lei Brasileira de Inclusão – LBI (Lei 13.146/2015) regulamenta a convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tratado internacional dos direitos humanos das pessoas com deficiência, ratificado pelo Decreto Legislativo 186/08 e Decreto Executivo 6.949/09. “O tratado composto por 33 artigos de conteúdo e um protocolo facultativo trouxe mudanças que agora serão efetivadas através do Estatuto, sob a sua égide.
O Estatuto coloca a pessoa com deficiência no centro do Direito, assegurando-lhe o direito fundamental à vida e à acessibilidade, assegurando, ainda, todos os recursos para os atos da vida civil, bem como o direito fundamental à capacidade civil, visando a vida independente, a autonomia e o direito de fazer as próprias escolhas com os recursos apropriados e formas de comunicação específicas que atendam as especificidades de cada pessoa com deficiência e qualquer forma de comunicação, seja por um piscar de olhos, pela tecnologia assistiva ou pela língua brasileira de sinais. Neste sentido, o auxílio para os atos da vida civil foi assegurado, conferindo à pessoa com deficiência os seus recursos e apoios, e as escolhas destes, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, comenta.
Cláudia Grabois explica que o Estatuto altera a Lei 7.853/89, do Código de Defesa do Consumidor e, entre outros, do Código Civil. Segundo ela, a partir do Estatuto, é preciso se falar em funcionalidade e apoios necessários ao exercício dos direitos fundamentais. “O Estatuto, por exemplo, altera o caput do artigo 3 do Código Civil ao estabelecer que são absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil menores de 16 anos, sem distinção, e revoga todos os incisos do referido artigo.
A curatela e o direito de escolha dos apoios vão ao encontro dos anseios das pessoas com deficiência. Certo que em algumas situações a pessoa com deficiência mental ou intelectual poderá ser submetida a curatela, desde que pela garantia de seus melhores interesses e sempre com muito cuidado, para assegurar que esta pessoa seja legitimada e respeitada como ser humano e cidadã(o). A equipe multidisciplinar de avaliação tem um papel importante a desempenhar e, para isso, é necessário que os artigos da Convenção e o Estatuto sejam conhecidos e respeitados”, disse.
Segundo a advogada, a curatela de medida excepcional e extraordinária será adotada somente quando totalmente necessária e de forma criteriosa. Cláudia Grabois exemplifica que foram revogados os incisos I, II e IV do artigo 1.767 do CC, e isso afirma que pessoas com transtorno mental não estão sujeitas a curatela, somente em casos de exceções. “Trata-se de assegurar a dignidade inerente, direitos fundamentais e liberdades individuais a aproximadamente 45% da população brasileira, garantindo o pleno exercício da cidadania do nascimento ao envelhecimento. No entanto, muito ainda precisa ser feito para assegurar à população menos favorecida os apoios necessários para o exercício da cidadania em igualdade de condições com as demais pessoas.
A igualdade de condições e a equiparação de direitos são premissas da Convenção e do Estatuto, pois há que se assegurar que todas as pessoas, sem restrição, tenham todos os seus direitos assegurados, do nascimento ao envelhecimento. Também por este motivo cabe assegurar a educação inclusiva em escolas públicas e privadas, de acordo com a escolha da família, como premissa para o exercício da cidadania, da vida independente e da autonomia. Isso não significa pretensão de homogeneizar; pelo contrário, assegura o direito de pertencer a sociedade independente de condição”, afirma.
Para Cláudia Grabois, o Estatuto assegura o direito da pessoa com deficiência de vivenciar e constituir uma família, de ser estimulado e respeitado no ambiente familiar e em todos os espaços da sociedade, de vivenciar a sexualidade de acordo com a sua orientação sexual, de exercer direitos sexuais e reprodutivos, de participar plenamente da vida em sociedade e da vida política do país, de ser ouvido, de se manifestar, de ir e vir, de se comunicar, de ter acesso à informação e de exercer a cidadania sem preconceito e discriminação. “A Lei 13.146/15 é uma conquista das pessoas com deficiência, de ativistas e parlamentares que tornaram possível a elaboração de um Estatuto da Pessoa com Deficiência em conformidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O EPD/LBI criminaliza a discriminação e equipara a falta de acessibilidade a discriminação. Assim, mesmo que ainda tenhamos um longo caminho pela frente, seja pelos conflitos do Estatuto com o novo CPC e, principalmente, pela efetivação do direito pelo poder público, pela sociedade e pelas famílias compostas por pessoas com e sem deficiência, a Lei representa um grande avanço para pessoas com deficiência física, sensorial, intelectual, mental, múltipla e psicossocial, mesmo que esta última ainda esteja em luta pelo reconhecimento e, por consequência, pela devida proteção nos termos da convenção”, esclarece.
Por fim, a advogada afirma que é preciso “empenho e controle social” para tirar o Estatuto do papel, “mas a história nos mostra que assegurar direitos humanos a todas as pessoas é também uma questão de sobrevivência e tarefa de todos (as). As pessoas com deficiência existem e hoje estão em todos os lugares, espaços e setores da sociedade; isso por si só é um avanço, nem sempre foi assim.
A nova Lei nos traz a oportunidade de refletir sobre o modelo social e o paradigma do direito, e nos possibilita afastar o modelo de saúde assistencialista que ainda habita o consciente coletivo quando ‘tratamos’ de pessoas com deficiência. Como direito, cabe a elas protagonizarem as próprias vidas e fazerem as próprias escolhas, com acesso a todos os recursos necessários para este fim. O Estatuto é uma conquista que merece ser comemorada”, completa.
(Fonte: IBDFAM com informações da Agência Brasil)