O Tribunal de Justiça de Mato Grosso tem se posicionado no sentido de que é objetiva a responsabilidade da instituição de ensino pelo bullying sofrido por um de seus alunos no ambiente escolar, ainda mais quando resta comprovada a ciência da situação e a omissão da instituição na prevenção e combate a este tipo de violência. Em dois casos julgados recentemente, um pela Sexta Câmara Cível e outro pela Primeira Câmara Cível, o Judiciário manteve decisões de Primeira Instância favoráveis aos alunos que estavam matriculados em escolas de grande porte.
No processo analisado pela Sexta Câmara Cível, os julgadores entenderam que o bullying (intimidação sistemática) atinge notadamente o ambiente escolar, onde os estudantes permanecem grande parte do tempo, sendo assunto de grande complexidade e com grande evidência na atualidade, pois aflige os mais variados segmentos da sociedade, causando danos muitas vezes irreversíveis à vítima. Ainda segundo os magistrados, a prova da existência do bullying é de difícil produção, sendo necessária a análise minuciosa, pelo magistrado, de todos os documentos constantes nos autos, além das demais provas produzidas em Juízo, pois, na maioria das vezes, a vítima sofre sozinha e as únicas testemunhas são seus agressores.
Primeiro caso – A Sexta Câmara Cível analisou dois recursos de Apelação Cível, um interposto pelo Colégio Salesiano São Gonçalo e outro pelos pais da criança vítima de bullying (Apelação nº 129656/2016). Em Primeira Instância, a Ação de Reparação de Danos Morais havia sido julgada procedente, condenando a escola ao pagamento de R$ 13 mil de indenização.
A escola sustentou que, para ser responsabilizada pelo dano, a instituição de ensino precisa tomar conhecimento dos fatos, o que não teria ocorrido no presente caso. Afirmou que as testemunhas da parte apelada (vítima) não presenciaram os fatos e que, por outro lado, as testemunhas da escola confirmaram o desconhecimento de causa do colégio, uma vez que a autora nunca teria demonstrado descontentamento ou qualquer reclamação referente à bullying. Defendeu que a apelada não se desincumbiu de provar que os fatos narrados teriam ocorrido dentro da instituição de ensino, e não em ambiente externo, e que os genitores teriam sido negligentes ao não comunicar a situação à escola e também por permitir a utilização de redes sociais por menor de idade, sem qualquer monitoramento, motivo pelo qual os pais possuiriam responsabilidade exclusiva pelos danos causados à autora.
Já os pais da vítima afirmaram, no recurso, que considerando as particularidades do caso, o valor da indenização deveria ser majorado.
A desembargadora Cleuci Terezinha Chagas (quarta vogal), cujo voto de vista guiou o julgamento, ressalta que dos pareceres emitidos pelos profissionais técnicos da área de psicologia e fonoaudiologia, é possível constatar que a menor foi, de fato, vítima de bullying durante o período de 2007 a 2009. Em avaliação psicológica constatou-se que a menor tem dificuldade em lidar com sua imagem, comprometimento de sua autoestima, sentimentos de inferioridade, inibição, timidez, tendência em vivenciar fantasias como necessidade de fuga, isolamento de contato interpessoal e interação com o ambiente, insegurança, sentimento de inadequação e gagueira por ansiedade.
Ainda conforme a magistrada, a ocorrência do bullying também restou demonstrada por meio de documentos, dos quais é possível verificar comentários depreciativos e perseguições nas fotos em que a menor publicava em sua conta da rede social “Orkut”. A desembargadora salientou ainda que em diversas ocasiões a mãe noticiou o colégio sobre a exclusão social e a perseguição que a aluna suportava no local e que a escola encarou a situação como mera timidez e problema de relacionamento da aluna. “A instituição de ensino tinha conhecimento de que havia algo de errado acontecendo com a estudante, pois, embora seja normal uma pessoa ser tímida, não se pode dizer o mesmo de uma adolescente que está evitando os colegas e o convívio social dentro da escola”, enfatizou.
Para a magistrada, comprovada a ocorrência, dentro da instituição de ensino, de intimidações sistemáticas contra a menor e que as providências tomadas pelo colégio não foram eficazes para solucionar o problema, patente se mostra a violação ao direito de personalidade da aluna, razão pela qual restam configurados os danos extrapatrimoniais, os quais devem ser compensados. Ela entendeu a indenização de R$ 13 mil como adequada ao caso, pois foi arbitrada em atenção à extensão do dano, o comportamento dos envolvidos, às condições econômicas das partes, à repercussão do fato, além da observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, além de condizer com os valores atualmente aplicados pelos Tribunais Pátrios.
Segundo caso – A Primeira Câmara Cível não acolheu recurso de Apelação Cível interposto pela Fundação Bradesco contra sentença que a condenara ao pagamento de R$ 15 mil de indenização por danos morais em virtude de bullying (Apelação nº 159946/2016). Em decisão unânime os magistrados entenderam que “o fornecedor de serviços responde objetivamente pelo dano derivado de falha na sua prestação de serviço em decorrência de omissão das medidas necessárias para coibir a prática de ‘bullying’ no interior das suas dependências”.
Conforme os julgadores, restou comprovado nos autos que a prática se deu por vários anos, sem que a escola apelante adotasse as medidas necessárias a fim de evitar a prática do ato, o que caracteriza como defeituosa a prestação dos serviços, sendo inegável que a conduta gerou para a parte apelada prejuízos de ordem moral que justificam a compensação.
FONTE: http://www.tjmt.jus.br/noticias/47788#.WNUUMlUrKUk