Dentre as várias inovações trazidas pelo CPC 2015 estão as mudanças nos processos que envolvem dívidas alimentares. Surge o questionamento: o que acontece ao devedor de alimentos ante o novo texto? Para compreender, confira a entrevista com o advogado e membro do IBDFAM Raimundo Cândido da Silva:
1) O que o CPC/2015 trouxe de inovação na parte de execução de alimentos?
O novo Código de Processo Civil trouxe, em linhas gerais, maior efetividade aos ritos processuais e, no que concerne à execução de alimentos, o que se vê são detalhes que conferem maior concentração à norma legal, no intuito de inferir maior celeridade. Neste sentido, tem-se a inclusão da Súmula 309 do STJ, a norma constante do Código de Processo Civil, o que preconiza a possibilidade de prisão civil referente às últimas três parcelas devidas [parágrafo 7º do art. 528 do CPC].
O parágrafo 4º do Art. 528 do Código de Processo Civil textualiza que “a prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns”, nada mais que justo essa separação, visto que não se trata de pena–crime. A norma anterior do CPC de 1973 não especificava o regime prisional a que o devedor estaria sujeito, textualizando apenas o termo “prisão”. O protesto judicial pelo inadimplemento de alimentos representa uma inovação à norma legal, constante no parágrafo 1º do art.528 do CPC: “§ 1o Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial…”
Portanto, anterior a própria prisão civil. Entretanto, há diferenças entre o protesto oriundo da decisão alimentícia em face as demais, quais sejam:
No que concerne às demais decisões condenatórias, tem-se por requisito o trânsito em julgado em caráter irrecorrível, aqui não, sobretudo em alimentos provisórios, eis neste sentido o art. 529 em seu paragrafo 3º:
“Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.”
O protesto em outras decisões condenatórias tem seu impulso oriundo do manifesto da parte interessada, aqui é ex officio.
Em tempo, tem-se a possibilidade de efetuar-se o desconto de até 50% dos vencimentos do devedor de alimentos. Assim, entre alimentos vencidos e vincendos, há a possibilidade do desconto de até 50% dos vencimentos do devedor de alimentos. Em síntese, tem-se como alterações relevantes a prisão em regime fechado [textualmente citada], o protesto judicial e a possibilidade de descontos de até 50% dos valores aferidos pelo devedor de alimentos.
Em face ao CPC/2015, vislumbra-se quatro modalidades de execução de alimentos, tendo por elementares o título executivo [judicial ou extrajudicial] e o tempo do débito [vencidas ou vincendas].
Neste sentido:
Sob o rito dos arts. 528/533, o cumprimento de sentença sob pena de prisão.
Em face ao art. 528, parágrafo 8º, tem-se o cumprimento de sentença sob pena de penhora de valores ou bens.
De acordo com o art. 911/912, a possibilidade de execução de alimentos fundada em título executivo extrajudicial sob pena de prisão e, ainda segundo o art. 913, a possibilidade de execução de alimentos fundada em titulo executivo extrajudicial sob pena de penhora.
In fine, o que se vê é uma série de previsões e possibilidades que o Código anterior não regulava. Se em comparação com o Código a quo, a sensação a que se tem é que o anterior preconiza um caráter mais generalista, se comparado ao novo, mais específico.
2) A possibilidade da negativação do devedor de alimentos vai garantir o crédito alimentar?
A tese normativa – imprimindo maior gravame a quem já se encontra arruinado, negativando o nome do devedor de alimentos junto aos órgãos de proteção ao crédito – é elementar engano no que concerne à obtenção da superação econômica e, portanto, da obtenção do adimplemento ou garantia creditícia em execução de alimentos. Trata-se de nítida incongruência entre a norma e a realidade fática. O poder normativo tem in casu o condão coercitivo, única e simplesmente. Trata-se de poder normativo e estatal. Absolutamente, traz alguma elementar favorável à solução do impasse, pelo contrário, trata-se de mais uma porta fechada a quem já encontra-se em situação precária.
3) O CPC/2015, no seu artigo 139, IV (Art. 139: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária), amplia a discricionariedade para que o magistrado amplie a efetivação da tutela jurisdicional. Sendo assim, com esse dispositivo, pode ser determinada a suspensão do direito de dirigir, a proibição de tirar passaporte, dentre outras medidas? Se assim o fizer, haveria um abuso do Direito, afrontando direitos e garantias fundamentais?
Acerca desta seara, vejo a referida alteração como uma medida que propugna pela celeridade e efetividade processual. O Direito em norma legal e processual tem regras e contrarregras, e é uma escada composta por degraus de mão dupla. O magistrado sempre teve a sua própria convicção, e o conhecimento legal para as atribuições sempre em face às provas dos autos, determinar e julgar. Em outra vertente, têm-se os advogados que igualmente dispõem do conhecimento jurídico e dos mecanismos legais para atuarem no processo. Havendo qualquer tipo de usurpação, erro ou excesso, quer em decisões intermediárias, quer em decisões finais, existem os mecanismos legais a que o Direito oferece para a situação real. Portanto, neste quesito, não vejo a alteração como algo a se temer.
4) A Lei 5.478/1968 – que dispõe sobre ação de alimentos – prevê, no seu artigo 19, o prazo de até 60 dias da prisão do devedor. Já o CPC/2015 prevê a prisão de um a três meses. Qual será efetivamente o prazo? Prevalece a regra geral ou a especial?
Entendo que deva prevalecer a regra constante da Lei 5.478/1968 pelos motivos que passo a expor. A lei de alimentos [Lei 5.478/68] tem caráter especial em face ao Código de Processo Civil, que é regra geral. A despeito da posterioridade do Código de Processo Civil e, portanto, em tese à derrogação do princípio da especificidade da normal legal em prevalência à norma geral, salutar grifar que lex posterior generalis non derogat priori speciali. Neste sentido e em face à incidência de modo menos gravoso ao devedor, regra basilar do Direito, entendo ser o prazo de até 60 dias constante do art.19 da referida lei, o que haver-se-ia a prevalecer em prisão civil contra o devedor de alimentos, e não até 90 dias como constante no Código de Processo Civil. De igual opinião, tem-se Nelson Nery e Humberto Theodoro Júnior.
Comentário
A principal alteração a que deveria materializar o novo CPC/2015 e este não o fez, é, sobretudo, efetivar os Constitucionais e cruciais princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, no que concerne à prisão civil do devedor de alimentos. Dinheiro não dá em celas. A prisão necessariamente pressupõe um crime e, na grande maioria dos casos, o que se vê é um devedor em situação pior que a do credor de alimentos que, além de não ter sequer para si (a ponto de permitir-se preso), é acossado pela norma legal com o iminente e real risco de prisão.
Não é razoável e não é proporcional crer-se que uma vez preso, este conseguirá os recursos que adimplirá o débito alimentício e o livrará das amarras da cela em que se encontra. Atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana lançar à prisão um trabalhador que encontra-se em situação tão difícil, a ponto de arriscar-se a ser preso. Na pior hipótese possível, que este então fosse preso no regime aberto, trabalhando durante o dia e recolhendo-se no período noturno. Privado de trabalhar como se vislumbra a possibilidade do adimplemento da obrigação alimentícia?
Assim sendo, e como medida de justiça, é mais que hora de revisar a norma legal no que concerne à prisão do devedor de alimentos, equacionando um problema que, sobretudo, apena o homem de bem em seu momento de maior fragilidade. O dinheiro representa o sustento que, em tese única e final, representa a honra e a dignidade do homem médio. Não é nada justo, humano ou pedagógico aprisioná-lo com fundamento único e exclusivo em sua hipossuficiência econômica.
Findo esta com uma frase de autoria própria, que reputo bastante salutar à questão aqui avençada: “À justiça não lhe cabe errar, vez que esta é o último grau a que o Cidadão honrado vale-se. O erro da Justiça predispõe o indignado a ser bandido.”
Advogado e administrador, jurista,conferencista, especializado em Direito
Público, Direito Civil e Processual Civil, Direito Empresarial, Direito de
Família e Sucessões, Direito Penal e Processual Penal, Direito do
Consumidor, Direito Agrário e Agronegócios, Direito Médico e
Compliance. Membro da Comissão de Direito Processual Civil do
IAB,IBDCIVIL,ABDPC,IBDFAM e IBCCRIM.